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Textos Avulsos

segunda-feira, 24 de maio de 2004

Impotência

Paquerei de longe com ele uns dois meses. Todos os dias descia duas paradas de ônibus antes da minha e ia caminhando pra casa só para passar mais devagar na frente dele e poder olhar com mais calma. Eu sei que ele também olhava pra mim. Acho até que ele esperava eu passar todos os dias naquele horário. Ele sempre estava banhado e arrumado do lado de fora da loja. Eu passava e olhava sem vergonha ou medo que ele virasse.

Depois da paquera nós evoluímos pro namoro. Era uma segunda-feira e eu voltava da aula. O sol já estava se pondo e a luz o transformava em algo ainda mais lindo. Fui lá e perguntei como fazia para poder ser a namorada dele. Foi simples assim mesmo. Começamos a namorar naquele dia mesmo. Chegamos a essa conclusão uma semana depois quando passamos a morar junto.

A relação é maravilhosa. Ele atende todos os meus pré-requisitos de namorado. Ele nunca me decepcionou. Nem quando estávamos sozinhos no meio de uma quarta-feira à noite e eu inventei de ir a praia só olhar o sol nascer. Ou quando estávamos com colegas e saíamos juntos. Meus colegas e amigos gostam dele também. Alguns são até amigos dele e saem com ele sem mim pra ir num bar ou a um passeio.

Ele é uma ótima companhia. É muito bom conversar com ele. Quando ele está com algum problema ele me conta logo, não existem joguinhos, ele não espera que eu adivinhe "as entrelinhas". Eu também posso contar tudo a ele e ter certeza de que será um segredo nosso enquanto eu assim quiser.

...
Estou escrevendo sobre ele agora, pois ontem eu me lembrei do quanto eu gosto dele e o quanto ele está presente na minha vida. Ele foi brutalmente agredido ontem. Eu não estava por perto. Ninguém que estava o ajudou. Eu me senti agredida também por vê-lo daquele jeito. Me senti a pessoa mais impotente do mundo. Queria gritar e descontar em alguém minha raiva. Apenas gritei, baixinho. É um sentimento horrível não poder ajudar a quem se quer bem.

Gostaria que ele soubesse do cuidado que eu procurei ter com a nossa relação e com ele. Não posso lhe dizer que não irá acontecer de novo. Nisso está a minha raiva. Se alguém quiser fazer de novo a minha impotência vai ser a mesma! Só vou poder gritar pra não explodir de raiva e torcer pra que não aconteça comigo (egoísta?!). Nossa relação não tem como mudar agora.

quinta-feira, 20 de maio de 2004

Não faça da velhice uma desculpa... e nem da juventude profissão

Ontem eu morri. Estava morto. Digo isso sem erro. Sem engano.
Já não sorria mais... Ninguém veria o sorriso.
Já não chorava mais... Ninguém enxugaria as lágrimas.
Já não esperava mais... O tempo não passaria.
Já não sonhava mais... Nem dormia.
Já não respirava mais... Já era não preciso.
Já não odiava mais... Ninguém se importaria.
Já não amava mais.

Hoje eu nasci. Estou vivo. Digo isso sem erro. Sem engano.
Sorrir, chorar, esperar, sonhar, respirar, odiar, amar. Tudo faz sentido.

terça-feira, 18 de maio de 2004

Lembraças

Numa tarde de sábado sem sol nem chuva me peguei pensando... lembrando, na verdade...

Saía de casa e caminhava até o seu prédio. Demorava cerca de 20 minutos caminhando. Chegava no prédio e pegava o elevador até o sétimo andar. Subia de escada até o oitavo, chegava em frente à porta com o número 803 e batia duas vezes, parava, batia mais uma vez. Era o código para que você abrisse a porta já com um sorriso (hoje me pergunto como seria seu rosto ao abrir a porta quando não era usado o código).

Um beijo na testa e um sorriso meu. Era tudo o que você ganhava. Eu me sentava no sofá e você sentava ao meu lado. Eu encostava a cabeça no seu ombro e você fazia carinho nos meus cabelos. Ficávamos conversando sobre nossas vidas. A casa era sempre silenciosa. Somente o som das ondas do mar quebrando contra a areia da praia. Hoje acho que eu imaginava esse som, o prédio não era perto da praia. Acho que sua presença me fazia escutar o mar.

Depois de falarmos o suficiente (não sei até hoje como sabíamos que era suficiente) você se levantava e trazia duas taças de vinho. Bebíamos devagar. Sabíamos que em pouco tempo não existiria mais as nossas vidas fora daquele apartamento.

Depois de algumas taças de vinho, nos levantávamos, íamos ao quarto e fazíamos amor. Bem devagar também. Existia muito carinho naquele momento. Era algo único para nós. Apesar de acontecer sempre, sempre era único.

Após fazer amor conversávamos sobre nós dois. Um só em dois corpos. Você dormia em meus braços e eu esperava um pouco mais, até que eu me levantava, tomava um banho e saia. Fechava a porta devagar. Não sei se você acordava. Eu já tinha ido.

Tínhamos a vontade de que aquele momento fosse eterno. Ainda bem que não era. Se fosse, como eu teria lembranças hoje?

Continuo caminhando 20 minutos até o seu prédio. Pegando o elevador até o sétimo andar. Subindo de escada até o oitavo. Parando em frente à porta com o número 803. Batendo duas vezes, parando, batendo mais uma vez. Não é sempre que faço isso. Apenas quando esqueço que você não está mais lá.

domingo, 16 de maio de 2004

De que é feito o fim da noite?

De que é feito o fim da noite? È feito de tanta coisa, mas pode-se começar com a falta de sono, com a falta de assunto, com a comida fria, com os arrependimentos calados, com os "da próxima vez", com tanta coisa...com até algumas faltas de porquês ou até de por quês.
Se pensar em algo palpável é sem dúvida o sofá ou a geladeira com resto do jantar, ou até do almoço. O peso do sapato, o interruptor da sala, a pia do banheiro, o único barulho é o da água fazendo um redemoinho. Pode-se ter as páginas de uma velha revista sendo passadas, ou até o jornal de amanhã que já chegou.
Se pensar em sensações, não existe melhor do que a de descalçar, essa sim, é um alívio até na alma. Mas pode se ter a sensação de vazio...de que ficou faltando algo, que poderia ser importante, mas não se sabe o que é. A sensação de noite inacabada, ou de arrependimento... arrependimento de ter feito, arrependimento de não ter feito, arrependimento de ter tentado fazer, ou de não ter tentado. A sensação de ódio, essa existe às vezes com muita força. Você anda de um lado para o outro, abre a geladeira várias vezes e nessa sensação e na anterior, você lê ou assiste alguma coisa com uma concentração quase que inexistente. Lê (ou escuta) cada palavra, mas não a adquire....ela é substituída sempre por um pensamento mais marcante.
Às vezes encontramos os olhos vidrados em qualquer coisa, sem piscar, e sem se importar com o que está olhando, tudo é base para o pensar.
Seria muita falta de consideração deixar de fora a sensação de completude, a de tudo bem, hoje foi um dia que eu posso guardar na memória, e dormir para esperar o amanhã.
O chato é refletir e ver que tudo está em um ciclo, não o mundo, mas as atitudes...elas são sempre as mesmas

sábado, 15 de maio de 2004

Oi
Oi
...
Depois a gente se fala, então?
Tá bom, tchau!

sexta-feira, 14 de maio de 2004

Um ponto na parede

Dúnia está sentada no sofá olhando para um ponto na parede, uma música toca baixinho. Davi arrisca:

Tu bebeu?
Naummmm...
E essa cara de "eu sei mais que tu" ?
Minha cara é assim...
Nunca foi! Aconteceu alguma coisa.
Naummmm...
Aconteceu sim... se tu não quer dizer é outra coisa.
Num aconteceu...
Então porque tu tá me olhando assim?

Ela muda o foco e olha no fundo dos olhos dele.

Num tava olhando pra tu... tava aqui pensando...
Certo... Pensando... Mas isso não justifica a cara de bêbada...
Tá bom, eu confesso... eu tomei uma cerveja... roubei das tuas...
Mas tu num bebe criatura...
E eu num sei... num imaginava que uma cerveja deixasse o mundo tão lento... E como é que tu gosta desse negócio amargo?
Vai dormir que é melhor... Amanhã eu te explico.
Deixa eu dizer só mais uma coisa?
Diga minha minina...
Obrigada, viu?

Davi vai na geladeira e abre uma cerveja. Senta no sofá no mesmo(?) canto onde Dúnia estava a pouco e olha pro mesmo(?) ponto fixo. Fica a procura do que ela tinha conseguido enxergar. Será que ela tinha descoberto o sentido?

Uma cerveja?

sábado, 8 de maio de 2004

Pra que cinco se quatro é suficiente?

Sabe aquela raiva que a gente às vezes sente de um amigo? Não uma raiva de acabar a amizade ou de se afastar. Raiva apenas porque o amigo não cabe perfeitamente no seu sonho. Raiva por achar que poderia ajudar, mas ele não pede ajuda. Ele não quer ajuda. Na verdade a raiva é de nós mesmos. Um sentimento de impotência.

Ele nem precisa de ajuda. A gente é que pensa que há algo de errado. Aquele é apenas ele mesmo. Uma pessoa com defeitos. Uma pessoa real. Diferente daquela dos nossos sonhos. Ninguém nunca vai caber nos nossos sonhos. Sempre falta algo. Ou sobra.

Confissão:
“Amigo meu. Apesar de não concordar contigo em algumas atitudes, te respeito muito e acredito na tua pessoa e na tua inteligência”.

Acho até que no dia em que concordarmos em tudo estaremos mentindo e não haverá mais a amizade. Não deixe que eu tente mudar essa pessoa que eu admiro tanto só para que caiba nos meus sonhos. Deixa o meu sonho com esse vazio mesmo. Assim, sempre irei procurar algo mais. Não me acomodarei com as coisas maravilhosas que já possuo.

sexta-feira, 7 de maio de 2004

sei lá.....

Às vezes eu me pego pensando sobre o pensamento....eu sei que pensar sempre é relacionado a algo, quando se pensa, se pensa em algo...mas aí eu faço seguinte: eu penso sobre pensar em algo, coloco o pensar sobre pensar entre parênteses e deixo o algo de fora, entendeu? fica assim: (pensar sobre pensar) em algo....e aí eu tenho pensamento sobre o pensamento.
É engraçado como não existe nada mais esquizofrênico do que o pensamento (pelo menos o meu), já que eu penso em milhares de coisas ao mesmo tempo, dou várias opiniões sobre o mesmo assunto, e me chamando de burro digo a mim mesmo "você é um gênio!".
O momento que eu me encontro nessa situação eu chamo de “momento de queda d´agua...sabe por quê? Você já se escondeu atrás de uma cachoeira? Eu acho impressionante, você fica lá, escutando um barulho absurdo onde tudo que está externo a isso simplesmente deixa de existir....a água funciona como um escudo impenetrável que faz com que você se isole do mundo que não é seu....não dá pra explicar....é vivencial, é mais ou menos o que o biquíni cavadão tenta explicar em " no mundo da lua" mas lá ele fala do banheiro, aqui eu falo de cachoeira.
No final das contas não importa se é cachoeira, banheiro, sauna, carro ou ônibus, o que importa é pensar que no momento de queda d´agua o pensamento pode ser pensado, e que as coisas não precisam fazer sentido, bastam ser...mas pra isso é preciso definir o que é ser...ok, então, não precisa ser também não....
Basta estar lá, sem fazer sentido, sem doar sentido a nada, imaginar um bucado de coisas que talvez você queira....ou não...ma aí volta pra esquizofrenia, você e você....eu e eu....brigando pra saber quem é o melhor, num existe essa de maniqueísmo não....num tem quem seja o bom ou o mal da história, tem quem seja o verdadeiro e o falso...o mais legal é que no final das contas sempre eu faço as pazes comigo mesmo...
Outra coisa que eu gosto é que nesse momento você tenta se enganar, mas está mais próximo do " se conhecer" saber que é mentira...é dizer "eu odeio isso" e depois dizer..." eu num odeio não" lá você pode ser sincero, se enganar só um pouquinho, se enganar dizendo que quando sair tudo volta ao normal...quando não se sabe o que é o normal.
O pensamento não é contínuo, o assunto não é contínuo, a vontade é sobre-humana....sobre humana não...demasiadamente humana...ela é real. Vontade, impulso, desejo, vingança, inveja, ódio, alegria, tristeza, pena, autoconfiança, pena, tristeza, alegria, ódio, inveja, vingança, desejo, impulso, vontade....potência...potência...vontade! Não precisa fazer sentido, já que ele faz sentido para quem doa sentido....eu posso terminar aqui e ele fará sentido para quem faz.

quarta-feira, 5 de maio de 2004

Simples

Como é que se diz...
O quê?
Aquele negócio...
O quê? Negócio de quem?
Num é de ninguém não. Pelo menos eu acho...
Tem cor? Sabor? Cheiro?
Tem sim... tem tudo isso... e é lindo!
Ok. Agora nos vamos brincar de adivinhação, é?
Sei lá... tu quer?
Não trouxa! Diz logo o que é que tu quer dizer.
Eu tô atrás da palavra mais sincera pra dizer...
É complicado assim?
É nada... é muito simples...
Pois diz o que é criatura...
Tá ficando legal essa tua cara de impaciente... peraí que eu vou achar a palavra...
Certo. Eu vou é dormir... quando tu resolver tu me acorda...
Naum... dorme naum...
Então fala logo!
EU AMO TU! Saiu... foi mal...

terça-feira, 4 de maio de 2004

Conversa fiada...

O tempo parou... A roda não gira mais ladeira abaixo... A água não corre mais o rio... O vento não faz mais a curva... O sol não aquece mais... A lua não apaixona mais...
Espera!!! Pára tudo!!!
Já falei que tá parado...
Olha! Um novo dia!
É mentira dizer que vai melhorar quando um novo dia nascer...
E quem disse que o dia morre? Quando acontece isso? Porque eu sempre durmo antes do dia morrer? Como assim “o dia nasceu” se eu ainda estou acordada? Eu não vi ele morrer. Muito menos vi ele nascer. Eu estava aqui e não vi nada disso!
Estúpida...
O tempo parou... A roda não gira mais...
Vai começar tudo de novo?
Eu não tinha terminado.
Mas precisa começar de novo pra terminar?
Como eu vou terminar algo sem o começo?
Mas eu já vi o começo.
Tu vai voltar lá no início pra ler?
Por que não? Preguiçosa! Se o tempo parou...
Parou sim. Volta e começa de novo. Tu vai ver.
Mas...
Esquece vai... Começa a história aí de novo...

E eu sou a preguiçosa?
Começa logo essa maldita história... Assim eu vou ver o fim...
Agora também num quero mais... Volta lá pra cima...

segunda-feira, 3 de maio de 2004

A casa

Passou em frente à casa umas dez ou quinze vezes antes de ter coragem de parar e entrar. Passava com os passos apressados pra ninguém notar que estava olhando pra lá. Passava de manhã cedo pra ver como ficava com o sol da manhã. Passava à noite pra verificá-la à luz da lua.

Quando entrou pela porta da sala e olhou ao redor viu que não tinha nada. A casa estava vazia. Voltou e bateu a porta atrás de si. Fechou os olhos e viu aquela mesma sala e nela viu um sofá no lado esquerdo (de quem entra ou de quem sai?). Em frente ao sofá tinha uma mesa de “pôr os pés” e algumas almofadas “de sentar” no canto.

Respirou fundo, virou-se e abriu novamente a porta, dessa vez com mais cautela, e viu o sofá, as almofadas, a mesa. Deu uns passos pela sala e se aventurou um pouco mais na casa desconhecida. Estava com um medo imenso de descobrir que o resto da casa estava vazio. Entrou na cozinha e viu a pia entre a geladeira e o fogão. Tinha pratos e copos no escorredor. Tudo muito simples. Tudo ali.

Voltou à sala pra se certificar de que as coisas continuavam lá. Na parede em frente ao sofá viu um quadro. Pequeno, porém lindo. A parede tinha mudado de cor?

Ele estava sentado (quase deitado) no sofá ouvindo música. Era confortável ficar naquele sofá escolhido por eles. Sentou-se ao seu lado. Sorriam. Ela sabia que ele queria apenas estar ali. Ele sabia que ela sempre estaria ali.

Depois da terceira música ou quarta música (o tempo não passava ali como do lado de fora da casa) ela voltou ao seu passeio pela casa. Os quartos.

No primeiro tinha uma cama de casal. Lençol com nuvens desenhadas. Quatro travesseiros na cabeceira. A camisa dela do trabalho pendurada num cabide. Sua sandália do lado da cama. Vestígios que ela sempre deixava.

O segundo quarto tinha uma cama de solteiro e um armário grande. Lençol enrolado no travesseiro no meio da cama. Portas do armário abertas. A calça jeans pendurada no trinco da porta. Ele é bagunceiro. Mas odeia bagunça.

A casa é sempre sonora, vive a música que existe na amizade entre eles. A casa sempre esteve lá. Esperando ela entrar.

Pode ser tudo apenas um sonho... Mas um dia eu entro na casa...