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Textos Avulsos

quarta-feira, 30 de junho de 2004

Os três

Eu estava deitada no sofá, lendo, quando os três entraram pela porta da sala. Um calçava sapato social marrom, o outro tênis esportivo verde oliva e o terceiro chinela de dedo. O primeiro vestia um terno claro, a gravata já frouxa e vinha desabotoando o colarinho. A pasta verde escuro à mão esquerda parecia conter papéis importantes. Tinha o cabelo partido de lado com todos os fios na mesma direção. O de tênis estava de calça jeans, camisa de malha branca onde estava pendurado um crachá com o seu nome e uma foto 3x4 e usava uma mochila. Atrás, pisando nos mesmos lugares, vinha a chinela arrastada por aquele que vestia uma bermuda verde limão, camiseta jogada no ombro, rosto bronzeado e cabelos molhados e duros de maresia. Fazia gestos com as mãos de quem está tocando uma guitarra.

O primeiro colocou sua pasta no móvel branco e sentou-se ao computador, o segundo pegou uma toalha no armário e foi tomar um banho, o terceiro foi à cozinha e voltou com uma lata de cerveja na mão que agora parecia ter esquecido a guitarra.

Enquanto lia os e-mails e respondia aos que tinham urgência, o homem de sapato social tirou o terno colocando-o no encosto da cadeira e terminou de desabotoar a camisa. Tirou os sapatos e as meias e os afastou para embaixo da mesa. Uma música clássica saia das caixas de som do computador. Tinha violinos, um piano e uma voz de mulher. Ele cantarolava acompanhando o som do piano com os dedos no ar. Levantou-se, levou o sapato e o terno para o quarto, passou na cozinha e voltou com uma prato deixado pronto no microondas. Carne, arroz e feijão. Acendeu a luz da sala de jantar, sentou-se na cabeceira da mesa e comeu ainda cantarolando a música, fazendo o solo de violino com a faca dançando pelo ar enquanto o garfo levava mais um pedaço de carne à boca.

Sentado na poltrona grande, o rapaz de tênis, que agora estava descalço, ligou a televisão e mudou o canal para o noticiário O som encheu a sala. Encostou-se e colocou os pés sobre a mesa de centro. A moça do noticiário falava com uma voz muito lenta e pausada sobre uma ponte que queriam construir entre o Brasil e o continente africano. Aumentou ainda mais o volume. Levantou-se, foi à cozinha e voltou trazendo dois sanduíches de mortadela e um copo de suco. Sentou-se novamente e comeu seu jantar olhando para a televisão, mas parecendo não se importar em não entender uma palavra do que a moça falava.

Deitado na rede, com um cigarro acesso no cinzeiro ao lado, a cerveja apoiada na mesa, o menino que usava a chinela de dedo, que agora estava junto à camiseta no chão, falava ao telefone com um amigo. O mesmo amigo que a pouco o tinha deixado na porta do prédio. Não falava alto, mas fazia sua voz ser ouvida acima da música que ele tinha colocado para tocar no som da sala utilizando o controle remoto ao deixar seu corpo cair-se na rede. Do som saía uma voz masculina que cantava fino, tentando se sobrepor ao som das guitarras. Falou que ia dormir um pouco e que gostaria de sair àquela noite. O amigo pareceu dizer que passaria para pegá-lo as 10:00h pois ele confirmou o horário e se despediu. Pegou a cerveja na mesa e num só gole terminou o que ainda tinha na lata. Deu mais um trago no cigarro, ajeitou-se na rede e em poucos segundos podia-se ouvir seu ronco.

Eu estava no sofá. Escutava a música clássica com seus violinos e pianos, via a moça do noticiário falar da ponte e ouvia também as vozes agudas e as guitarras distorcidas do rock metálico. Tudo parecia em harmonia. Da mesa de jantar vinha o som do homem mastigando o arroz com feijão. O rapaz na poltrona soltou um suspiro entre uma mordida e um gole do suco que eu pude ouvir. O ronco do menino acompanhava o balançar da rede.

Levantei do sofá, nenhum deles parecia me ver ou notar minha presença. Fui à cozinha e peguei um copo de água no microondas. Voltei à sala e tudo pareceu estático. O menino já não roncava, o rapaz esperava algo acontecer para continuar a comer, o homem não brincava mais com a música. Notei a escuridão que aos poucos tomou conta da sala e resolvi me fazer presente. Vou acender a luz, não é possível que eles não olhem pra mim, pensei. Coloquei o dedo no interruptor e apertei. Nada. Apertei novamente. Nada.

Acordei e você estava ali, deitado ao meu lado. Menino, Rapaz e Homem. Um sorriso no rosto, me olhando dormir.

domingo, 27 de junho de 2004

Tu é doido, é?

O mundo está em guerra, certo? Hummm. Dizem que a próxima moda, dos próximos desfiles, só podem ser roupas que transmitam o sentimento de leveza, liberdade... nada que lembre os uniformes pesados dos soldados da guerra. Sim... Então como é que tu me diz que vai surgir uma banda que faça algo como o Nirvana fez com Smells link teen spirit? Hein? A guerra não diz quem está certo e sim quem sobrevive. Concordo. Tu vai ver como morreu todo mundo daquele navio. Complete a frase. Faça essa sequência ter sentido por favor! ... Sobre o que eu tava falando mesmo?

sexta-feira, 25 de junho de 2004

Ei..

- Ei, tu sabe quanto é dois mais dois?
- Quatro.
- Tu tem certeza?
- Lógico. Tá ficando doida?
- E se for cinco?
- Tu bebeu? Vou mandar queimar teu diploma de engenheira!
- Eu sou engenheira. Mas não é porque eu tenho o diploma que eu parei de pensar. Eu não penso só em números. Os números têm um significado sabia?
- Sei. Dois significa porta e quatro significa escada? Assim você tem razão! Porta mais porta não é igual a escada. Apenas se contratarmos um carpinteiro.
- Tá ironizando pra não discutir, né?
- Tu vai querer café?
- Agora tu tá mudando de assunto. Típico de advogado. Vou mandar queimar teu diploma também! Assim tu esquece que é advogado e conversa direito comigo.
- Queime. Eu não pretendo usar mesmo. Não é porque eu tenho o diploma que eu quero ser advogado. Se tu queimar é bom que eu me livro dessa obrigação de ser advogado e posso ir atrás do que eu sempre quis fazer.
- Heim?? Você?? O grande mestre do direito? Senhor da verdade quando o assunto é leis? Um reles covarde com medo de ser diferente do papai?
- Tu vai querer ou não o café?
- Quero sim. Coloca dois torrões de açúcar, por favor.
- Agora eu entendi o significado de dois, dois torrões. E o quatro? Café adoçado?
- Se tu não queria direito, o que era?
- Toma. Me passa um cigarro e o isqueiro.
- Mudou de novo de assunto. E nem tô te considerando mais advogado, então não tem desculpa. O que tu queria fazer?
- Arquitetura.
- Vixe... E tu tá em que semestre? Eu sei que tu já deve estar cursando escondido mesmo.
- Terceiro semestre. Mas sobre o que é que nós estávamos falando mesmo?
- Sei lá... o café ficou bom, viu? Me passa o isqueiro, por favor.

terça-feira, 22 de junho de 2004

O certo é inventado com os mesmos moldes que o errado...

"Não existem fênomenos morais, apenas uma interpretação moral dos fênomenos......"
´
Nietzche.

segunda-feira, 21 de junho de 2004

Você...

Família. Pai. Mãe. Irmão. Irmã. Sempre soube assim.
Lar. Três quartos. Duas salas. Varanda. Cozinha. Sempre soube assim.
Vida. Brincadeira. Estudo. Trabalho. Descanso. Sempre soube assim.
Aí me vem você e bagunça tudo!
Vá à merda! ou... Muito Obrigada!

domingo, 20 de junho de 2004

Outro momento

Outro momento

olhar nos seus olhos
e pensar em outra pessoa
sentir o seu corpo
e comparar
com o que já nao tenho
com o que ficou pra trás
e assim

ouvir tua voz
pra esquecer
palavras de amor ódio
que me traz momentos
não a tive em meus braços
mas não posso me desfazer
do que eu sonhava
das horas que desejava
outro alguem

Refrão
| me sentia mal
| por desejar que o momento fosse outro
| te pedir com os olhos
| desculpa por tudo aquilo
| mas
| mesmo assim
| não pude nem quis evitar
| e no fim
| aconteceu

foi só um momento
será que para vc também?
me despeço, me corrijo
já que erros vão e vém
pode até parecer desprezo
mas só foi bom
enquanto durou


Obs: A vida é um ciclo inexato....algo q faz sentido a muito tempo atrás pode ser sempre resignificado....não se pode destruir o passado...não se pode deixar de se reafirmar....não se pode fugir do mundo, o mundo não começa onde eu termino, eu sou o mundo e faço parte dele...o mundo me é e ele faz parte de mim...somos um misto de concreto e sonho, a realidade é muito dura para viver sem o sonho, e o sonho é muito absurdo para existir sem a realidade...passado, presente e futuro são formas didáticas de se entender a vida...essas três formas se perpassam constantemente...não se vive o presente sem o passado, não se conhece o presente sem pensar no futuro...o pretérito perfeito não passa de uma forma verbal....amanhã isso pode ser negado e resigniicado...então nunca é tudo...

terça-feira, 15 de junho de 2004

...

Aniversário é a puta que o pariu!

Domingos de manhã

Domingos de manhã são perfeitos. Acordar cedo, tomar banho, escovar os dentes, pentear o cabelo, passar perfume, escolher aquele vestido de florzinha ou o cor-de-rosa que ele adora e colocar a sandália que me dá calos só pra ver um sorriso no rosto dele.

Estou pronta vinte minutos antes do combinado. Ele ainda vai se atrasar quinze minutos. Eu espero. Sempre espero. Fico no sofá assistindo TV. Sento com cuidado para não amassar o vestido. Vou ao banheiro novamente e olho se o cabelo está bem arrumado. Ando lentamente para não suar. Quero que ele sinta o cheiro do perfume que ele me deu no meu último aniversário.

Esqueço a TV e fico olhando pro relógio na parede. Os ponteiros marcam o horário combinado. O pequeno apontando pro nove e o grande apontando pro céu. Ele está já chegando. Eu espero. Sempre espero. Minha irmã acorda e me vê sentada no sofá. Me encara com um olhar de reprovação. Ela não concorda. Ela não entende. A raiva não a deixa entender. Ela vai na cozinha e volta pro quarto com um copo d'água na mão. Ela vai passar o dia na cama levantando-se apenas para pegar outros copos d'água.

Papai se separou da mamãe dois anos atrás. Ele tem a sua nova casa e sua nova esposa. Mamãe mora em outra cidade por causa de um emprego novo. Somos só nós duas na casa, que se tornou imensa. Ela já está na faculdade. Tem um namorado feio e chato. Ele implica comigo dizendo que o Mário (meu vizinho) é meu namorado. É nada!

Domingo é dia de passear no parque com meu pai, comer algodão doce, correr na grama, olhar os desenhos nas nuvens, tomar sorvete. Minha irmã nunca vai, diz que está cansada. Ela sempre chega tarde nas noites de sábado.

Eu espero. Sempre espero. Ele não veio. Ele nunca mais virá. Um carro está virado na esquina. Há sangue. Eu choro. Minha irmã chora também. Ela nem lembra dos copos d'água. Eu nem lembro do vestido que não pode amassar.

Eu odeio domingos de manhã.

quinta-feira, 10 de junho de 2004

Diferenças

Pediu pra sentar. Ela estava sozinha (ou não?). Sorrindo lhe indicou a cadeira em frente. Ele queria a cadeira ao lado dela. Queria sentir o seu perfume. Tudo bem. Cadeira em frente.

Não sabia o que perguntar. Queria saber tanta coisa e agora não conseguia organizar as perguntas. Só não queria saber seu nome. Ainda não.

Depois de se engasgar com a pergunta que decidiu fazer, desistiu. Ela perguntou primeiro.

Queria saber o nome.

domingo, 6 de junho de 2004

"No país da corda bamba...
Querem me derrubar!"

quinta-feira, 3 de junho de 2004

Sapato novo

Entrei na loja alegre e satisfeita, estava usando um sapato muito confortável, um sapato que já tinha se moldado ao meu pé. Estava ali apenas para ajudar minha colega Marcela a escolher um tênis confortável pra ela. Ela queria um tênis pro dia-a-dia.

Idéia besta a dela de querer me dar um tênis novo. Eu não queria tênis. Tinha acabado de me acostumar com aquele sapato. Mesmo assim ela me mostrou um modelo que estava num canto da vitrine. Chamava atenção pela cor estranha. Parecia um tênis usado. Já moldado ao pé de outra pessoa. A forma como os cadarços estavam marcados mostrava claramente que outra pessoa o utilizou por muito tempo. Sentei naqueles banquinhos que tem um espelho inclinado em frente pra ver se o tênis pelo menos era do tamanho do meu pé. Coloquei-o ao lado do meu sapato e não gostei. Marcela insistiu. Tenta. Já está amaciado. Não. Não iria calçar um tênis tão usado por alguém que deixou tantas marcas nele.

Durante uma semana a Marcela me ligou só pra se certificar que o meu sapato era realmente confortável, pois existia um certo tênis que ela achava ter sido feito pra mim. No sábado seguinte fomos à mesma loja e resolvi calçar o tênis para tirar a dúvida. Ainda sentada tive vontade de tirá-lo. Aquele tênis nunca iria ficar confortável no meu pé.

Não era do meu tamanho. Era um pouco maior e iria irritar um pouco a cada dia meu calcanhar. Tinha uma pedrinha dentro do pé direito! Uma pedra que incomodava sem eu nem ter pisado no chão. Tirei-o e olhei dentro. Nada da pedrinha. Calcei de novo. Incomodava. Agora ainda mais por não saber onde estava a pedrinha. Ela apenas estava lá, incomodando.

Sempre senti uma pequena pedra em sapatos novos. Algumas eram até grandes, que me fizeram desistir do sapato e jogá-lo fora. Porém nunca tinha sentido a tal pedra no pé esquerdo. Que diabos de tênis era aquele? Não! Definitivamente eu não vou usá-lo! Pedra no pé esquerdo?

Marcela comprou-o pra mim mesmo assim. Ela disse que eu iria mudar de idéia. A cada dia eu tentava usá-lo. Pra agradar a minha colega. A pedra no pé esquerdo passou de um incômodo para um desafio. Eu tinha que descobrir porque só aquele tênis tinha pedra no pé esquerdo e enquanto todos os outros têm no direito.

Duas semanas se passaram e eu não conseguia colocar os pés no chão com ele. Calçava-o todos os dias, mesmo incomodando, mas não me levantava da cama. Cada vez que eu sentia a pedra me perguntava porque tinham feito um tênis com pedra no pé esquerdo. Será que só eu sentia a pedra?

Talvez não tivesse sido feito com a pedra no pé esquerdo. A antiga dona (tenho certeza que achava que seria a última) tinha colocado aquela pedra.

A pedra passou a ser um diferencial naquele tênis. E passei a achar estranho os meus antigos sapatos e tênis. Usava os sapatos já moldados no meu pé e não sentir a pedra me fazia lembrar dela.

Um dia eu coloco os pés no chão com o meu tênis de cor estranha e não sentirei mais a pedra. Ou melhor, sentirei sempre aquele incomodozinho da pedrinha, mas acharei bom. É o meu tênis. É a minha pedra.

quarta-feira, 2 de junho de 2004

O desafio

O equilibrista decide que na próxima noite de sábado, noite de apresentação, andará na corda bamba sem rede de proteção. Ele nunca tentou, nem teria oportunidade de treinar. Iria expor à platéia o seu medo, medo que ele ainda nem sabia que tem. Medo de não acorda no domingo, ele acha.

Ainda é segunda-feira quando ele decide tentar a proeza. Vai dormir se agarrando à idéia de que ele não será o primeiro a fazer isto, outros equilibristas já fizeram. E receberam aplausos. Ele não queria aplausos. Só os dele mesmo. Sabia que depois da façanha escutaria uma multidão dentro de si a aplaudir e se emocinaria com isso.

No momento tinha era um medo indefinível dentro de si. Medo de decepcionar. Desistir. E já tinha falado aos colegas do circo que sábado seria o grande dia. Escutou palavras de encorajamento dos amigos que disseram que estariam na outra ponta da corda torcendo e esperando para abraçá-lo e sentir a alegria que só amigos sabem compartilhar. A felicidade e o orgulho pelas conquistas pessoais.

Quarta-feira à noite o equilibrista encontra um antigo conhecido. Conta a ele seu novo desafio. O conhecido se mostra muito interessado naquilo e eles conversam para planejar como seria. O agora amigo confessa que também teve essa idéia a algum tempo, porém não encontrou amigos que o incentivasse como o equlibrista tinha conseguido e acabou deixando o tempo passar sem conseguir se decidir se daria ou não aquele passo. O equilibrista resolveu ser esse incentivador e convidou o amigo a andar na mesma corda bamba.

Sexta-feira à tarde o malabarista o chamou para conversar e disse querer alertá-lo dos riscos existentes e fazê-lo pensar se realmente era necessário. O malabarista nunca tinha tentado usar quatro bastões, pelo menos não que alguém tivesse visto. Continuava a cada sábado a mostrar o mesmo número e se dizia feliz assim. O equilibrista sentiu o medo naquelas palavras. Um medo que o malabarista queria que ele também sentisse. Um medo de confessar a si que sempre seria o mesmo. E o equlibrista não.

Sábado de manhã. O equilibrista chorou, de emoção. Ele sabia que dependia única e exclusivamente de si para chegar ao fim da corda. Mesmo tendo o amigo ao lado para compartilhar (e não "dividir") o medo.

Talvez tivesse vontade de voltar no meio do caminho. Mas ele sabia que não dá pra virar as costas para o fim, olhar para o começo, ver o malabarista lá e andar em direção a ele. Mesmo se desse, ele sabia que existiria toda uma meia corda para percorrer. A mesma distância que havia até o fim.

Abraçar os amigos no fim ou encarar o malabarista no começo. Era uma decisão que tinha que ser tomada antes de colocar o primeiro pé na corda. Essa decisão já havia sido tomada. Ao acordar e sentir orgulho de si na frente do espelho por saber que o risco seria corrido com um objetivo. A sua própria felicidade. A sua vida.