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Textos Avulsos

terça-feira, 19 de abril de 2005

coragem

Sempre passava em frente àquele bar, mas nunca tinha coragem de entrar. Ficava parado olhando pela janela por vários minutos sem conseguir mexer meus pés até a porta e entrar. Lá dentro eu via os bêbados rindo e fazendo gestos expansivos. Também via as brigas que aconteciam por causa da bebida. Eu queria brigar com eles. Mostrar que também sou homem e que sei brigar. Eu não sei brigar. Sou pequeno e magro. Não que isso fosse empecilho para eu brigar. Eu brigaria com qualquer um daqueles caras fortes e altos!

Um dia eu entrei. Estufei o peito, levantei a cabeça e andei cambaleando para pensarem que eu estava bêbado. Não olhei para ninguém especificamente. Observei a todos no caminho até o local planejado. Fiquei encostado na mesa de bilhar. Na estreita passagem para o banheiro. Algum bêbado iria querer passar e eu conseguiria a minha briga.

Um açougueiro grande e forte, como todos os outros naquele bar, exceto eu, se levantou para ?tirar a água do joelho?. Eu não vi enquanto ele se aproximava, pois estava de costa para a mesa dele. Ele segurou nos meus ombros e me moveu de lugar, dando espaço para ele passar. Ele simplesmente me ignorou. Eu poderia ser uma cadeira que dava na mesma. Ele me tratou como a uma mosca que se espanta do braço com um sopro não muito forte.

Sai do bar de cabeça baixa e passos apressados. Não queria que ninguém ali se lembrasse de mim. Mas eu me lembraria para sempre daquele açougueiro. Eu andava até aquela rua todo fim de tarde só pra cruzar com ele na calçada enquanto ele se encaminhava pro bar. Eu não queria ter que desviar e dar passagem a ele quando cruzássemos. Eu sempre desviava. Eu andava de cabeça erguida, encarando o peito dele (ele era realmente alto), procurando coragem, mas no último segundo eu desviava. Ele nem me via. Eu não existo para ele.

Hoje eu fui novamente para aquela calçada esperar ele dobrar a esquina. Eu não desviei. Caminhei reto e firme de encontro a ele. Ele também não desviou. Batemos os ombros. Lógico que eu senti mais. Ele é mais forte. Ele nem me viu. Eu sou uma mosca.