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Textos Avulsos

sábado, 17 de julho de 2004

198 + 198

São apenas trezentos e noventa e seis passos. Ida e volta. Medidos por mim que tenho pernas curtas. E tortas. São duas ruas para atravessar. Tem que esperar e sinal de pedestres ficar verde. Minha avó dizia Quando aquele homenzinho vermelho no poste ficar verde você atravessa. E não corra!
 
Enquanto espero o homenzinho do poste ficar verde eu converso com um aleijado que pede dinheiro naquele sinal. Ele me contou que se chama Eduardo. Ele tem duas filhas que se chamam Sara e Nadine, e a sua esposa é faxineira. Ele perdeu as pernas quando foi atropelado por um bêbado numa terça-feira às sete e meia da manhã, naquele mesmo cruzamento.O bêbado morreu quando o seu carro subiu a calçada e bateu no muro. Eduardo perdeu o seu emprego de pedreiro.
 
Na segunda esquina tem um guarda que sempre ri de mim. Um dia eu pergunto o que ele acha tão engraçado em mim. Talvez meus óculos. Talvez minhas roupas. Talvez o meu caminhar. As pessoas me acham estranho eu sei. Não entendo é porque as pessoas riem do que acham estranho.
 
Consigo cantar o hino brasileiro completo no caminho. Às vezes esqueço uma parte. Aí eu paro, olho pro alto para evitar a distração da rua, me lembro e volto a andar. Não gosto de andar sem estar cantando. Meus pés doem se caminho calado ou pensando em problemas.
 
Depois de cento e noventa e oito passos eu paro em frente a banca. Bom dia Marilene. Eu gostaria de comprar a nova revista do ?Colher, O homem Côncavo e Convexo!?... Muito obrigado.
 
Agora são mais cento e noventa e oito passos de volta.