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Textos Avulsos

quinta-feira, 8 de abril de 2004

Ana

Meu nome é Ana. Tenho 19 anos. Estudo em uma universidade particular próxima a minha casa. Acordei dormindo ainda. Não lembro do sonho, não lembro da hora em que dormi. Levanto e digo “bom dia” a porta do meu banheiro. Tomo um banho rápido, pois estou atrasada. Minha aula começa às 8:00h. Chego quinze minutos atrasada. O professor chega cinco minutos depois de mim. Estou adiantada então. Justifico meu erro no erro do professor. Assisto às aulas pacientemente. Saio ao meio-dia da universidade e almoço no restaurante da esquina, que me vende uma quentinha e um copo de refrigerante por R$3,50.

O Roberto trabalha neste restaurante. Eu o chamo de Beto. Ele me disse que é o seu primeiro apelido. Ele vai à minha casa todos os dias depois do seu expediente e me conta alguma história engraçada que tenha acontecido com os seus fregueses. Sempre acontece algo inusitado. O ser humano é imprevisível. Ele traz pão e leite ou eu compro de tarde e o aviso que não precisa trazer. Lanchamos e assistimos à TV. Só há os canais abertos. Eu reclamo de algum preço alto que aparece em algum comercial e o Beto apenas sorri e eu entendo que o ele quer dizer. Depois que ele conta suas histórias do restaurante passamos a conversar com gestos, grunhidos. Não precisamos mais falar para conversarmos. São assuntos repetidos: “Passa a manteiga.”, “Tua vez de lavar os pratos.”, “Essa novela não muda nunca.”, “Só tem notícia ruim noticiário”. Só voltamos a nos falar com palavras na hora em que termina a novela e o Beto me diz “Boa noite, até amanhã”. Eu respondo com um sorriso e digo “Boa noite”

Depois que o Beto vai embora eu vou pro meu quarto. Coloco minha camiseta velha que uso para dormir. Pego um livro pra ler. Deito no sofá da sala, tiro a havaiana do pé e o coloco no braço do sofá. Minha mãe odiaria ver isso. Não tenho mais mãe. Meu pai mora em outra cidade. Em outro estado. O livro quase sempre é o mesmo. Não me canso de decorar os trechos que mais me intrigam e declamá-los para mim mesma em frente ao espelho do quarto. Tento me convencer de que o autor está errado. Um dia terei lido outros livros dele suficientemente para achar uma contradição. Ou terei lido os livros dos outros autores de minha estante no chão e terei argumentos contra meu autor favorito. Minha estante de livros é formada por livros. Uma fileira de livros em pé, por cima dela há uma fileira de livros deitados para fazer uma prateleira para a próxima fileira de livros em pé.